Empresas usam materiais desperdiçados, transformando-os em algo novo, ou evitam o lixo e o desperdício por meio de tecnologias novas e mais eficientes
Fonte: New York Times
Se há um tema de importância vital que recebe pouca atenção em se tratando da mudança climática, esse tema é o lixo: como defini-lo, como produzir menos, como lidar com ele sem aumentar a poluição no planeta ou na atmosfera. A questão tem sido mais comentada, seja na forma dos canudos de plástico ou do papelão, ligado ao comércio eletrônico. Mas, para reduzir os danos do lixo, pode ser necessário expandir a definição tradicional do termo, incluindo não apenas as “porcarias” habituais, mas também o desperdício: tudo aquilo que resultar de grandes ineficiências em sistemas de todo o tipo. Isso resulta em um volume ainda maior de emissão de gases estufa.
Empresas e grupos de todo o mundo estão respondendo. Algumas estão usando materiais desperdiçados, transformando-os em algo novo. Outras estão evitando o lixo e o desperdício por meio de tecnologias novas e mais eficientes. Quando Keiran Whitaker trabalhava como instrutor de mergulho e acompanhava a destruição das florestas tropicais, frequentemente para dar lugar à produção industrial de alimentos, ele decidiu começar a fazer valer seu diploma de engenharia ambiental. “Estamos obliterando nossos ecossistemas naturais predominantemente para a produção de monoculturas que alimentam a teia mundial da comida industrializada. E, se a situação é ruim na superfície, o fundo do mar é ainda pior”, afirmou, referindo-se à destruição das florestas tropicais e ao branqueamento dos recifes de coral.
Assim, ele tenta mudar o alimento consumido. O resultado é a Entocycle, a startup de Whitaker em Londres. A empresa recebe o lixo e o desperdício da produção local de alimentos, criados na sua produção, e a usa na alimentação de larvas da mosca soldado-negro, que comem o lixo e o convertem em proteína. Ele disse que os insetos são então moídos e transformados em uma farinha rica em aminoácidos, que, combinada a outros ingredientes, pode ser transformada em ração animal. O excremento das moscas, conhecido como frass, pode ser usado como fertilizante na agricultura. Um dia, a farinha de inseto poderá até ser consumida pelas pessoas.
Ele disse que menos florestas seriam derrubadas para o plantio ou criação de animais, e a produção de fertilizantes, responsável por algo entre 1% e 2% das emissões globais de gases-estufa, seria evitada. O mesmo vale para a poluição criada por esse processo. Imensas quantidades de peixes também são usadas na produção de ração animal, e essa ideia poderia reduzir a sua pesca.
Temos também a fabricação de roupas. Uma empresa da Finlândia, onde há cerca de 10 árvores para cada pessoa no mundo, pretende reinventar nossa maneira de produzir roupas a partir da madeira. A segunda e a terceira fibras têxteis mais comuns já são feitas de plantas – algodão e viscose rayon. A maior parte desta é feita de polpa de celulose, mas o processo usa tantas substâncias químicas que, para alguns, seu produto não deve ser considerado uma fibra vegetal natural.
E a produção tradicional do rayon foi ligada a práticas de florestamento prejudiciais. A Rainforest Action Network descobriu que aproximadamente 120 milhões de árvores são cortadas todos os anos para a produção de têxteis. A Spinnova é uma empresa finlandesa de fibras têxteis fundada por dois ex-físicos, Janne Poranen e Juha Salmela, que trabalhavam no desenvolvimento de polpa e papel na Finlândia.
Depois de descobrir como as aranhas tecem seus fios, Salmela se perguntou se seria possível tecer com as fibras vegetais usando a mesma técnica. Ele descobriu que a possibilidade existe. A Spinnova usa um método mecânico para produzir as fibras. Com esse processo, é possível poupar cerca de 99% da água usada na produção do algodão (de acordo com um estudo, a produção de uma calça jeans pode consumir 11 mil litros d’água). E tudo isso sem usar produtos químicos nocivos.
A Spinnova usa polpa de celulose de madeira brasileira, em uma parceria com a Suzano, uma das maiores produtoras de celulose do planeta. Isso traz outro benefício climático, pois as florestas absorvem o dióxido de carbono lançado na atmosfera. A Spinnova planeja usar lixo agrícola e roupas descartadas para produzir fibras.
O Japão conta com um avançado sistema de reciclagem, mas, como outros países, tem um problema com o lixo eletrônico. Isso é resultado do descarte de um grande número de celulares, computadores e TVs que podem contaminar o ambiente com substâncias químicas perigosas. O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos pensou em chamar atenção para o problema optando por produzir as medalhas dos jogos do ano que vem – cerca de 500 peças – a partir de metais recuperados do lixo eletrônico.
Em pontos de coleta em mais de 1.500 dos municípios japoneses e em cerca de 2.400 lojas de eletrônicos, mais de 42 mil toneladas de eletrônicos descartados foram reunidas, incluindo mais de cinco milhões de celulares, de acordo com Masa Takaya, porta-voz dos Jogos de Tóquio de 2020.
A recuperação desses materiais evita a mineração adicional. A indústria da reciclagem, na qual as pessoas desmontam os aparelhos e removem o cobre, o outro e outros materiais, traz consequências negativas para a saúde, de acordo com a revista de medicina Lancet.
Essa iniciativa do Japão não vai resolver a crise de lixo eletrônico, disse Vanessa Gray, funcionária de uma agência das Nações Unidas, mas “a ideia de envolver a Olimpíada é ótima” porque chama a atenção para o problema. “No fim, isso mostra que nossa maneira de fazer as coisas traz consequências terríveis para a sociedade, em termos dos impactos negativos para a saúde e, obviamente, os impactos para a mudança climática”, disse. “É hora de atualizar todo o sistema”.
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