FOLHAS

Dica de Lisboa: como fazer adubo em casa a partir do lixo


Equilíbrio entre os “verdes” e crus da cozinha e os “castanhos” e secos do jardim é a fórmula para obter adubo rico em nutrientes

Sónia Calheiros

SÓNIA CALHEIROS

Depois de ter investido no jardim com 60 metros quadrados, automatizando a rega e criando uma zona de reciclagem, só faltava mesmo que Jaime Vasconcelos, 28 anos, começasse a tratar o lixo orgânico. A morar na Graça, em Lisboa, aos contentores azul, amarelo e verde da reciclagem habitual juntou mais dois: o do lixo comum e o compostor fornecido pela câmara municipal, no âmbito do projeto Lisboa a Compostar.

Jaime inscreveu-se no programa (que teve início em maio de 2018), recebeu formação e saiu de lá com o recipiente com fundo aberto para fazer compostagem em contacto com a terra. “Investi no jardim para que seja um prazer e não uma obrigação”, explica o produtor de publicidade. Desde setembro, a cada quatro dias, Jaime despeja os seus resíduos no compostor. Passados cinco meses, retirou a primeira leva de adubo (com aspeto de terra, escuro, sem odor e com qualidades fertilizantes), que aplicou nos canteiros de flores, na relva e no pomar e na horta, onde tem pera- abacate, tomate, abóbora, rúcula, courgete, alface, ervas aromáticas e outras hortícolas.PUBLICIDADEinRead invented by Teads

A compostagem de 300 litros de lixo orgânico, capacidade máxima do recipiente, resultou em 150 litros de adubo. Junto de familiares e amigos, Jaime Vasconcelos já conseguiu desmistificar alguns mitos sobre a compostagem, como a crença generalizada de que liberta maus cheiros. Trata-se de um processo limpo, desde que se respeitem as indicações ensinadas na aula de formação.

Em 2018, foram recolhidas, por dia, cerca de 900 toneladas de resíduos em Lisboa, 670 das quais vão para o contentor cinzento do lixo indiferenciado. No entanto, neste, 40% dos resíduos são biodegradáveis. O objetivo do programa de compostagem doméstica e comunitária é fazer diminuir esta percentagem, reduzindo os resíduos orgânicos em mil toneladas por ano até 2020. Posteriormente, o uso do composto em solos pobres, como os argilosos da capital, irá permitir poupar até 80% de água da rega.

IMITAR O CICLO DA NATUREZA

Até ao passado mês de março, o programa Lisboa a Compostar distribuiu 1 500 compostores dos quatro mil que tem disponíveis para moradias ou condomínios com jardim, logradouro ou quintal. Aos compostores domésticos somam ainda cinco comunitários, nas freguesias da Ajuda (Cç. Ernesto Silva), Areeiro (R. Presidente Wilson), Campolide (Av. Conselheiro Fernando Sousa) e nos Olivais (R. Sargento Armando Monteiro Ferreira e Quinta Pedagógica). Para quem só tem varandas, a solução passa pela vermicompostagem, num recipiente fechado, cujo processo necessita da ajuda de minhocas.

Onde se põe o compostor? O que se deve deitar lá para dentro? Quais os alimentos proibidos? No fim, retira-se o adubo todo de uma vez? Eis as dúvidas mais frequentes para as quais a formadora Catarina Rebelo tem as respostas na ponta da língua. Para esta engenheira do ambiente e especialista em hortas biológicas, “o importante é retirar do lixo tudo o que se pode reciclar”, porque “compostar é mais do que reciclar”.

Trata-se de um processo sustentável e de economia circular, em que os resíduos passam a ser recursos, quando transformados em adubo orgânico para alimentar desde um pequeno vaso até uma horta inteira. Ao facto de imitar o ciclo da Natureza, de modo controlado, acresce a vantagem de não poluir e de fechar o ciclo de produção. São duas as cores para compreender o processo natural da compostagem. Os verdes derivam da cozinha e libertam humidade, enquanto os castanhos vêm do jardim e servem para arejar. Quanto mais equilibrada for a mistura entre verdes e castanhos, mais rico em nutrientes será o composto.

Depois de uma sessão com 140 pessoas no Centro de Interpretação de Monsanto, outras 40 marcaram presença numa formação realizada na Junta de Freguesia de Campo de Ourique. Bruno Marques, 33 anos, mecânico, está familiarizado com práticas agrícolas desde criança. Por isso, nas horas livres perde-se na horta com o filho pequeno. Dividido entre a compostagem doméstica e a comunitária, esclareceu todas as dúvidas e regressou a casa com um novo compostor.

DE PEQUENINO…

Na Escola Preparatória Francisco Arruda, em Alcântara, todas as quartas-feiras à tarde, os alunos do clube Vamos à Horta (perto de 60, entre os 10 e os 16 anos) vão tratar das plantações – que nos primeiros dias de primavera já deram favas, ervas aromáticas, couves e alfaces – e dos cinco compostores, uma iniciativa inserida no projeto Eco Escolas, dinamizada por Ricardo Barreiros, professor de Matemática e de Ciências e membro da direção escolar.

Além dos resíduos trazidos de casa pelos miúdos, Ricardo pretende que, na cantina da escola, também se comece a separar os crus para a compostagem. Às cavalariças da GNR, na Ajuda, costuma ir buscar estrume de cavalo e à junta de freguesia pede folhas e ramos da poda dos jardins – mais difíceis de arranjar no fim do inverno e durante a primavera. Por serem sazonais, a solução para obter castanhos passa por apanhá-los nos outros meses e armazená-los ou recorrer à Share Waste, uma plataforma online na qual podem encontrar-se outras pessoas adeptas de compostagem e trocar resíduos.

Hugo, “ajudante-mor” da horta, como lhe chama o professor, sabe de cor as camadas para iniciar a compostagem: ramos cortados, folhas secas, mais os restos trazidos pelos colegas. Maria trouxe cascas de cebola, alho e batatas e borras de café, Teresa guarda num saco as cascas da preparação de uma sopa, com cenoura, courgete, cebola e batata-doce, Ana Sofia ficou-se pelas cascas de fruta e Rafael pela casca de maçã e rúcula. Tudo isto é “comida para os animais”, resume Hugo, enquanto montam mais um compostor.

COMBATER O LIXO NAS RUAS

Em junho do ano passado, por altura do arraial de Santo António, a Associação Renovar a Mouraria instalou um compostor no Largo da Rosa, de modo a não desperdiçar os resíduos da festa. Para dar continuidade à iniciativa, candidatou-se depois ao programa Bip/Zip (Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa), da câmara municipal, com o projeto da loja-oficina Mouraria Composta, inaugurada em dezembro. Além de vender tudo o que é preciso para criar uma horta ou um jardim na varanda lá de casa, o objetivo é criar uma rede própria de compostagem, tendo começado por dois compostores-piloto: um no Beco do Rosendo, outro no restaurante da Cozinha Popular da Mouraria.

“Fazer compostagem em meio urbano, principalmente em centros históricos com a configuração da Mouraria, pode ter alguns constrangimentos, como o facto de o compostor ter de ficar fechado à chave, para não haver contaminação com alimentos proibidos ou materiais indesejados”, explica Inês Andrade, presidente da associação. A inspiração para o projeto veio do Brasil, da Revolução dos Baldinhos, iniciada, em 2008, no bairro Monte Cristo, em Florianópolis, quando o excesso de sacos do lixo amontoados nas ruas levou a um surto de leptospirose, que matou dois moradores.

Por cá, o ideal será que cada compostor tenha uma Brigada dos Baldinhos (com seis voluntários, no mínimo, para entregar e recolher os baldes) e um jardim por perto, para ser mais fácil à população compreender o ciclo da compostagem. Como quiseram abolir o plástico do próprio compostor, os membros da associação estão a redesenhar o modelo em madeira, com um tratamento não contaminante numa estrutura metálica, para um desempenho mais duradouro e eficiente e um design que não seja intrusivo à paisagem do bairro histórico.

Além da Cozinha Popular da Mouraria, também o restaurante 100 Maneiras está a transformar o modo de tratar o lixo. Com a mudança de morada e a abertura de nova casa – na mesma Rua do Teixeira, em Lisboa, mas agora no número 39 –, novos hábitos surgiram na forma de gerir a cozinha. O chefe Ljubomir Stanisic optou por comprar uma máquina de compostagem acelerada que, ao contrário dos compostores domésticos, não tem de estar ao ar livre em fundo de terra. Esta máquina com ar industrial, proveniente de uma empresa checa, será instalada no espaço do antigo 100 Maneiras, agora usado como armazém e cozinha de produção. O objetivo é tratar os 50 quilos de resíduos diários que saem dos dois restaurantes do grupo e da cozinha de produção e depois trocar o composto por produtos agrícolas.

Assim, quando o nosso leitor descascar legumes para preparar uma sopa, poderá pensar duas vezes sobre o que fazer a esses resíduos orgânicos que iria despejar no lixo indiferenciado.

* com Catarina Ferreira Gonçalves

NADA SE PERDE

Conheça os produtos recomendados e os proibidos na compostagem

VERDES
Húmidos, ricos em azoto e água. São fundamentais para os micro-organismos decompositores
folhas verdes
relva fresca
ervas daninhas
restos crus de vegetais e fruta
borras de café, incluindo os filtros
folhas de chá
casca de ovo espalmada(neutraliza o pH)
flores

CASTANHOS
Secos, ricos em carbono. A falta de oxigénio produz mau cheiro
folhas secas
relva seca
cascas de batata, alho e cebola
palha ou feno
agulhas de pinheiro
resíduos de cortes e podas
papel sem tinta (caixas de ovos, por exemplo)
aparas de madeira
serradura

PROIBIDO USAR
cascas de citrinos (por serem antifúngicas, afastam as minhocas)
produtos lácteos
carne, peixe e marisco
alimentos cozinhados
medicamentos
plantas com pesticidas
excrementos de animais domésticos
beatas de cigarros
cinzas
vinagre (atrai moscas e mosquitos)
gordura (tira o ar) 
sal (mata os decompositores do solo)

COMPOSTAGEM POR CAMADAS

O recipiente de fundo aberto tem de estar em contacto com a terra. O ideal será colocá-lo debaixo de uma árvore, à sombra, protegido de calor, chuva e vento

A camada superior deve ser de castanhos

Regar q.b. por cima, como se fosse uma sementeira

Revolver e misturar camadas

Adicionar uma mão-cheia de terra ou composto pronto

Colocar o dobro dos castanhos em relação aos verdes

No fundo, fazer uma cama de ar com 10/15 cm, com palha e ramos cortados em pedaços pequenos

fonte
http://visao.sapo.pt

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