Há perigo quando se mexe em espécies abundantes, como os morcegos – hospedeiros naturais de doenças graves, como raiva, ebola e Covid
Para Ciência, as cavernas protegem os humanos de doenças e preservam a nossa história. Agora, as mais importantes cavernas do Brasil estão ameaçadas por causa de uma mudança nas leis de preservação.
As cavernas revelam aos poucos a resposta para uma pergunta importante: de onde viemos? Para a Ciência, as cavernas protegem os humanos de doenças e preservam a nossa história. Cada uma tem uma forma, tamanho e fauna. Agora, as mais importantes cavernas do Brasil estão ameaçadas por causa de uma mudança nas leis de preservação.
“São dos principais locais onde a gente encontra evidências que contam a nossa história desde o nosso ancestral comum, os macacos, há 7 milhões de anos, até a história recente do ser humano”, explica o escavador André Strauss.
Há anos a equipe de André Strauss escava, em Matozinhos, Minas Gerais, um cemitério de mais de 10 mil anos. O DNA encontrado nos fósseis vai mostrando o caminho dos primeiros humanos a chegar às Américas vindos da Ásia.
“A destruição de qualquer caverna que tenha sido considerada com o grau máximo de relevância é um crime contra a humanidade”, afirma Strauss.
Não é qualquer buraco que é protegido. As cavernas têm uma classificação pela relevância. A legislação brasileira já permitia atividades econômicas nas de nível baixo, médio e alto. Só as cavernas de máxima relevância, que são minoria, eram intocáveis. É a proteção a essas cavernas de relevância máxima que um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 12 de janeiro derruba.
Muitos seres evoluíram isolados em uma única caverna e existem apenas nela. Só as que abrigam uma espécie única continuam protegidas. Mas há perigo quando se mexe em espécies abundantes, como os morcegos – hospedeiros naturais de doenças graves, como raiva, ebola e Covid. Uma das teorias para o surgimento da Covid é a destruição das cavernas para a construção de estradas e ferrovias na China.
A nova lei autoriza empreendimento considerados de interesse público. Nessa categoria entram as estradas – se não houver alternativa de traçado. Como a BR-135, na altura de São Desidério, no oeste da Bahia, a nova fronteira do agronegócio. Em um trecho de 21 quilômetros, ela atravessa uma das áreas de maior concentração de cavernas do Brasil. Em fevereiro, uma audiência pública vai discutir o traçado para passar o asfalto.
Mas, em todo o Brasil, o maior impacto deve vir da possibilidade da mineração, autorizada com a justificativa de criar empregos. Exemplos não faltam. Um buraco a poucos quilômetros do Aeroporto de Confins foi o que restou da caverna onde, pela primeira vez nas Américas, foram encontrados fósseis humanos, no século XIX. A mina foi autorizada antes da lei de proteção às cavernas.
O decreto presidencial determina que para cada intervenção numa caverna, outra deve permanecer intocada. Mas como compensar o conhecimento ao qual nunca teremos acesso porque as informações foram destruídas? Para o Ministério Público Federal, o decreto é inconstitucional.
“Ele fere o princípio da proibição do retrocesso, retrocede a níveis de proteção anteriores. Fere o dever constitucional do poder público de proteger o meio ambiente e também o dever do poder público previsto na Constituição de preservar processos ecológicos essenciais”, afirma o procurador Nicolao Dino.
O parecer foi entregue ao procurador-geral Augusto Aras, que pediu esclarecimentos ao governo antes de decidir se leva o caso ao Supremo Tribunal Federal. O partido Rede Sustentabilidade já pediu ao STF a suspensão do decreto. O relator é o ministro Ricardo Lewandowski.
Outro ponto questionado é o fato de o decreto dar poder aos ministérios da Minas e Energia e da Infraestrutura de decidir quais cavernas podem ser destruídas. Para os especialistas, isso é o mesmo que dar poder para as raposas cuidarem do galinheiro. É que o decreto diz que esses ministérios vão detalhar, junto com o do meio ambiente, o que poderá ser
“Essa terceirização de competência, digamos assim, não se encarta na lei de política nacional de meio ambiente porque esses órgãos não integram o Sistema Nacional de Meio Ambiente”, diz Nicolao Dino.
O Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos pedidos de esclarecimento do Fantástico.
Os ministérios de Minas e Energia e da Infraestrutura disseram não ver conflito de interesses ao elaborar a metodologia para a classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas.
Se o decreto entrar em vigor, terá efeito retroativo, o que significa que todas as licenças negadas até hoje com a intenção de proteger essas cavernas únicas, poderão ser revistas.
fonte G1